Eleição Presidencial da Argentina tornou-se espécie de 3º turno do Bolsonarismo x Petismo
A rivalidade imposta pela polarização
Todo herói precisa de um vilão, e isso é constatado há muito tempo. Na mitologia grega, o príncipe Belerofonte que, por um terrível erro, fugiu e procurou abrigo em outro reino. Para ser aceito e ter sua honra restaurada, ele tinha a missão de derrotar a Quimera, um monstro terrível.
Ocorre que na política não é diferente; na maioria dos casos, é necessário e útil existirem “criaturas” como a Quimera para legitimar a consagradora vitória. Na verdade, toda eleição é assim, principalmente quando há polarização ideológica.
Os brasileiros estão familiarizados com isso, transitaram da esquerda para a direita nas últimas eleições, o mesmo que ocorre na Argentina. Nossos hermanos estão em uma situação delicada; seja qual for a opção entre Massa e Milei, a economia interna irá cobrar sua dívida, que só aumenta.
Toda pedra se torna vidraça em algum momento
Situação e oposição revezam-se em duas posições; quando um deles está no poder, torna-se vidraça e o outro, pedra. O desgaste do governo pesa na campanha, e infelizmente, o eleitor recorda-se principalmente do mais recente, nem sempre por vontade própria, mas devido às toneladas de informações que as redes sociais proporcionam.
Sendo assim, quem está fora do governo tem o privilégio de organizar estrategicamente a narrativa que julgar mais adequada, pois não tem a força da máquina pública, que pode fazer a diferença. Mas a máquina, em situações como na Argentina, onde há descontentamento majoritário, só traz resultados quando a pedra da oposição não atinge a vidraça do governo, mas a própria.
Peixe morre pela boca
O exemplo nacional mais importante é Bolsonaro. Não há dúvida de que se ele – e seu pelotão – tivessem filtrado alguns pronunciamentos, as eleições de 2022 seriam diferentes. Milei, como seguidor de Bolsonaro, comete os mesmos erros. “Hablar” sobre não negociar com a China ou qualquer país de esquerda – inclusive o Brasil –, eliminar o Banco Central e dolarizar a economia, tendo em vista a fragilidade econômica da Argentina, foi o erro crasso de sua campanha até o momento.
Milei “hablou” ainda mais, mencionando a ideia de romper com o Vaticano em um país católico ao qual o Papa é argentino, e também tenta descredibilizar o sistema eleitoral – detalhe: na Argentina, o voto é impresso.
Nem sempre há uma 2ª chance
O segundo turno de Milei não será fácil. Apesar de conseguir boa parte dos votos de direita de Patricia Bullrich, Massa tem chance de herdar alguns votos não radicais de Patricia e incluir boa parte dos votos de Juan Schiaretti, um dissidente do movimento peronista que ficou em quarto lugar, e Myriam Bregman, representante da esquerda radical, que conquistou o quinto lugar. Juntos, esses dois candidatos alcançaram quase 10% do total de votos.
O que ajuda Massa são as assistências sociais que a atual gestão está proporcionando. Algo que uma economia dolarizada não poderia fazer, pois a dolarização da economia significa perder influência sobre a política monetária interna, o que prejudica o discurso de Milei e beneficia Massa.
A autoestima do PT
Com a virada de Massa, integrantes do PT atribuíram o resultado ao presidente Lula e o segundo lugar de Milei à caravana e influência bolsonarista, que mais prejudicaram do que ajudaram. Sobre o segundo ponto, não estão errados, mas a virada de Massa não reflete apenas o apoio político de Lula.
Massa tem em sua equipe integrantes do grupo estratégico que atuou na campanha do petista no Brasil em 2022. Tendo em vista a experiência da equipe em combater discursos como o de Bolsonaro, implantaram na Argentina o mesmo modelo contra Milei. Sem dúvidas, isso funcionou, ocasionando uma vantagem na eleição presidencial, mas não devido apenas ao peso político de Lula, e sim à semelhança da disputa enfrentada no Brasil.
Eleição Presidencial: Argentina sai perdendo
O ponto principal é que o futuro da Argentina, após esta Eleição Presidencial, está condenado à polarização. Migrar entre extremos não faz bem, a não ser que seja entre Belerofonte e Quimera – políticos obcecados pelo poder –, onde um precisa do outro.
Eleição Presidencial Argentina e os seus reflexos para 2026 no Brasil
O apoio dos petistas a Massa e dos bolsonaristas a Milei pode não sair como planejado e pode resultar em consequências políticas nas eleições presidenciais de 2026 no Brasil. A missão de reorganizar a economia argentina não será tarefa fácil, e, em caso de fracasso, o grupo que apoiou o vencedor sofrerá com comparações sobre o modelo econômico adotado, seja qual for. Lembrando que o vencedor se torna vidraça e a oposição, pedra.
Ocorre que o Brasil será uma extensão do governo argentino; caso Milei vença esta eleição presidencial, qualquer deslize será anunciado pelo petismo como o fracasso da extrema-direita, e vice-versa. Porém, caso Massa consagre-se vencedor, haverá interesse maciço do Governo do Brasil em ver a Argentina submergir economicamente, o que resultará em ajuda monetária aos nossos vizinhos, o que será criticado imensamente pelo bolsonarismo.
Los hermanos decidirão
Seja qual for o caminho que a Argentina resolva tomar nesta eleição presidencial, cabe apenas a eles decidirem. Toda interferência brasileira tem apenas a intenção de defender os interesses políticos de suas “ideologias”, mas quem estará convivendo com a escolha da maioria serão eles próprios, os argentinos.
Sendo assim, a escolha democrática e soberana da Argentina deve ser respeitada. Os brasileiros não podem querer decidir por eles; os brasileiros não sabem muitas vezes dos problemas do Brasil, quem dirá da Argentina.
ocientista por: Paulo Mello
Paulo Mello é Bacharel em Direito, Consultor Político e pós-graduando em Direito Eleitoral e Gestão de Campanha.
Experiência em assessoramento a candidatos e partidos na condução de suas estratégias eleitorais. Além disso, escreve análises e artigos sobre os principais acontecimentos políticos e jurídicos, em âmbito regional e nacional.